Nelson Coelho
A mão saindo do bolso com o lenço trouxe junto um punhado de palavras soltas que ao cair esparramaram-se pelo chão.
Esse não era o propósito do dono da mão que apenas queria tirar o lenço para limpar as lentes dos óculos. Foi uma cena muito constrangedora. Porque o amigo naquele momento voltando da caixa onde fora comprar fichas para o café acabou vendo as palavras caindo no chão. O dono delas e da mão que as derrubou de maneira tão desastrosa em lugar e hora inoportunas ficou vermelho de vergonha. Alem do amigo mais gente viu aquilo. E ajudaram apanhar as palavras do chão espalhadas por todos os cantos do bar como contas de um colar que se parte. Algumas voltaram quebradas em duas ou mais letras pela queda e trituradas sob os pés descuidados dos fregueses. Eram palavras de amor . Desse tipo de amor que a gente só expressa com palavras quando se encontra no ponto mais alto da paixão. Ele, o dono dessas palavras, atingira esse ponto. E seus bolsos estavam cheios de palavras sobre o assunto. Elas precisavam ser entregues à destinatària. Com urgência(...)
Ela não foi ao encontro. Procurou o amigo que já havia saído sem deixar recado para onde. O dono das palavras estava só. Foi ate a casa dela. Não sabia informar onde havia ido. Ficou esperando na esquina eram mais de duas horas quando um senhor que passou por ali lhe perguntou se eram dele aquelas palavras caídas, no chão. Agradeceu sem jeito e as apanhou, mas em todos os bolsos do paletó, calça e camisa não havia mas lugares para elas , que começavam a transbordar. Voltou para casa com as palavras nas mãos. Quando entrou em seu quarto já eram tantas que ele as segurava arcado fechando-as entre o peito e os braços. Jogou-as sobre a mesa. o resto da noite, ou melhor da madrugada, passou acordado esforçado-se para não produzir mais palavras. Mais elas continuavam brotando sem cessar. Deixou a cama, foi ate o telefone. Ela não havia chegado. O caminho entre seu quarto e a sala onde estava o telefone ficou forrado de palavra que caiam pesadas nos tapetes macios. E nasciam maiores, uma só delas não caberia agora no bolso do mais largo de seu paletó. Para que sua mãe visse ao se levantar, e isso seria dentro de uma hora e pouco, ele começou com dificuldade, apegar todas que estavam jogadas pelas sala e foi levando para o quarto. Mas quando se abaixava para apanhar uma outra caiam de seu corpo, tendo mesmo uma tão grande e pesada lhe ferido o pé em que bateu. Tentou então pegar na cozinha um puxador de agua, mas nada adiantou, as palavras surgiram mais e mais.
O melhor que tinha a fazer portanto era deixar na cozinha corredor e sala aquelas que por ali ficaram e foi correndo trancar-se no quarto. Abriu a janela, mas ao se debruçar para prender do lado de fora as folhas da veneziana, varias palavras do tamanho de um sapato, despencaram-se indo bater la em baixo na cobertura de zinco da garagem fazendo muito barulho.. Imediatamente, com receio de ser visto, fechou a janela novamente e ao se dirigir à cama onde pretendia tentar dormir para livrar se do fluxo crescente das palavras, tropeçou numa dela, foi ao chão, enquanto outras , demais de meio metro de espessura e pesando quase seis quilos, surgiram amontoando-se sobre seu corpo: que ali ficou soterrado e
assim sua mãe encontrou o filho que morreu de amor
(1,962) - Coleção Alvorada, volume 7
Nenhum comentário:
Postar um comentário